Monday, 31 January 2011

"Tosca" post-colonial



Fui à ópera em Banguecoque, na semana passada. Ver a "Tosca", uma das minhas preferidas ( a mistura entre o lúbrico e o sádico, com um Te Deum como pano de fundo, da cena final do Primeiro Acto, é um dos momentos dramáticos mais psicanaliticamente rebuscados da composição operática) . 


O que me atraiu, além de ser sempre importante "colecionar" diferentes memórias de óperas favoritas, foi o engodo, segundo a notícia no jornal, do encenador ter transposto a acção para um país imaginário do Sudeste Asiático. Chegados ao Thailand Cultural Center, depois de quarenta minutos (!) de carro desde o não muito distante hotel do Dia Nacional da Índia, compramos rapidamente o programa. Já passam vinte minutos da hora do começo anunciado mas ainda se ouvem os músicos a afinar os instrumentos. Leio a apresentação da encenação feita pelo maestro S. Somtow (não é polaco, como o nome faria crer, mas tailandês, Somtow (Som-Táu) Sucharitkul). Diz que aquela produção da Tosca evoca o Imperialismo Europeu, e confirma que tudo se passa  num país do Sudeste Asiático  "sob ocupação francesa", lembrando que o colonialismo não era assim tão distante na Tailândia. E assim o Scarpia passa de Intendente a chefe da polícia francesa, com sargento de côr (como os "tiraillleurs" senegaleses) e destacamento de praças com 'quépi' colonial. A população é asiática, branca e eurasiática, de elegantes vestidos duma Saigão pré-Marguerite~Duras, ou com cabaias autênticas. A luta pela liberdade, contra o despotismo e a hipocrisia, do libretto original, converte-se assim numa ilustração, não muito subtil, diga-se, da luta anti-colonial.  A distribuição dos papéis com um  Scarpia  europeu, louro (Philip Joll) e um Angelotti asiático (Fu Hai) tornam ainda mais explícita a tensão entre o opressor e o oprimido, naquela "Indochine" imaginária. O abater  da  bandeira francesa num rasgo de fúria libertária, quase no final do II Acto, remete para o "grande gesto" das obras já na fronteira da propaganda (como o "Play the Marseillaise!" enérgico do Humphrey Bogart, no "Casablanca"). Enfim, todo este fervilhar para-revolucionário, num sarau burguês, sob o cáustico frio do ar condicionado na sala,  aparece-nos como um pouco ancrónico, 'desuet' mesmo. Ou será que não?

Tuesday, 18 January 2011

o livro da selva

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Ainda não estava bem refeito de me extasiar pelo relvado até ao rio quando me falaram das serpentes. Verdes. As pequenas as de mais temer. Mas que estão nas árvores (!!) ou nos buxos,  e que pelo meio da relva é seguro. Quer dizer, normalmente afastam-se com o barulho. Nunca aconteceu nada, garantem-me. As estatísticas tranquilizam-me. Crianças ( pés minúsculos em sandálias pelo relvado húmido) ? Nunca as houve antes. Destroçam-me a estatística. Tudo são histórias, sigo em frente. 

Um par de dias depois, chega de Tóquio, via Pequim (e antes de Tóquio, Dubai, e antes disso Moscovo - cheapest fare a quanto obrigas) a antiga correspondente em Jacarta, habituada a encontros imediatos com cobras indonésias. Sentou-se no jardim a ler um best seller em cirílico. Pousou as pernas (belas)  na mesa. Uma serpente, a apanhar ares no tampo, afasta-se, lesta. Verde. Pequenina. A intrépida jornalista russa acaba o capítulo e regressa a casa. Conta o episódio. Telefonam-me (em hiperventilação) a contar-me o episódio. Investigo o que há a fazer. O jardineiro perito em lidar com as cobras que só volta amanhã e que já passa da hora para chamar o Instituto Pasteur. Excuse me? Sim, telefona-se, eles vêm e apanham as cobras vivas para fazer antídotos. (Vou a recônditas gavetas da minha memória médica e sai-me "CVF" - Cobra Venom Factor . Um heparinóide. Os mordidos morrem por anti-coagulação. Fechar gaveta). 

No dia seguinte, olhando pela varanda trópico-colonial, vejo um crocodilo a atravessar, lerdo, o relvado. Calma, não é um crocodilo, tem cabeça curta. Iguana? Varão de Komodo em tamanho XS? Em todo o caso, ao lusco fusco, uma lagarto de noventa centímetros passa bem por jacaré.

Chega de ofídeos, sáurios, répteis diversos. À noite, compro um crocodilo (ver foto). Para a minha colecção.

(Dedicado a G. que achou os meus posts anteriores demasiado filosóficos)

Sunday, 16 January 2011

Iluminismo



Quem me porá mais perto de perceber o que aqui vim encontrar? Esta prosa filosófica neo-EdwardSaidiana sobre a "transversalidade"ou o último artigo, no IHT de ontem, pelo profeta Henry Kissinger, sobre as relações EUA-China?
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Friday, 7 January 2011

East meets West


O pavão, o mastro da bandeira e o arranha-céus de vidro... Elabore.


Quando cheguei a Londres dizia-se que havia uma incompatibilidade fundamental entre o "Continent" e eles próprios, Britânicos, que nem valia a pena questionar. Ainda antes mesmo de aterrar no aeroporto de Ben Gurion pela primeira vez, todas as opiniões, solicitadas ou não, convergiam sobre a impossibilidade de ser transposto o fosso entre Judeus e "Goyim". Parte do tempo em Moscovo era necessariamente dispendido na tentativa de entender a Alma Russa, algo que, asseveravam-nos, nunca poderia ser inteiramente apreendido por um não-russo. Até mesmo na secular Palestina, a condição de não-muçulmano (já para não dizer não-crente) era tida como óbice maior para a compreensão da Arabidade. Aqui estou eu na Ásia. No "East meets West" de Banguecoque . Tentam convencer-me (conversas, leituras várias) que há que suspender a linearidade lógica do pensamento racional, típica do Ocidental cartesiano, para se conseguir ter acesso aos meandros profundos do software milenar da sociedade local. Avançar antes por símbolos, metáforas de metáforas, negar a evidência material, pensar poeticamente. Veremos. Nas outras terras por onde passei, por debaixo de todas as idiosincrasias havia sempre a doce e torturada humanidade. Universal.
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