Fui à ópera em Banguecoque, na semana passada. Ver a "Tosca", uma das minhas preferidas ( a mistura entre o lúbrico e o sádico, com um Te Deum como pano de fundo, da cena final do Primeiro Acto, é um dos momentos dramáticos mais psicanaliticamente rebuscados da composição operática) .
O que me atraiu, além de ser sempre importante "colecionar" diferentes memórias de óperas favoritas, foi o engodo, segundo a notícia no jornal, do encenador ter transposto a acção para um país imaginário do Sudeste Asiático. Chegados ao Thailand Cultural Center, depois de quarenta minutos (!) de carro desde o não muito distante hotel do Dia Nacional da Índia, compramos rapidamente o programa. Já passam vinte minutos da hora do começo anunciado mas ainda se ouvem os músicos a afinar os instrumentos. Leio a apresentação da encenação feita pelo maestro S. Somtow (não é polaco, como o nome faria crer, mas tailandês, Somtow (Som-Táu) Sucharitkul). Diz que aquela produção da Tosca evoca o Imperialismo Europeu, e confirma que tudo se passa num país do Sudeste Asiático "sob ocupação francesa", lembrando que o colonialismo não era assim tão distante na Tailândia. E assim o Scarpia passa de Intendente a chefe da polícia francesa, com sargento de côr (como os "tiraillleurs" senegaleses) e destacamento de praças com 'quépi' colonial. A população é asiática, branca e eurasiática, de elegantes vestidos duma Saigão pré-Marguerite~Duras, ou com cabaias autênticas. A luta pela liberdade, contra o despotismo e a hipocrisia, do libretto original, converte-se assim numa ilustração, não muito subtil, diga-se, da luta anti-colonial. A distribuição dos papéis com um Scarpia europeu, louro (Philip Joll) e um Angelotti asiático (Fu Hai) tornam ainda mais explícita a tensão entre o opressor e o oprimido, naquela "Indochine" imaginária. O abater da bandeira francesa num rasgo de fúria libertária, quase no final do II Acto, remete para o "grande gesto" das obras já na fronteira da propaganda (como o "Play the Marseillaise!" enérgico do Humphrey Bogart, no "Casablanca"). Enfim, todo este fervilhar para-revolucionário, num sarau burguês, sob o cáustico frio do ar condicionado na sala, aparece-nos como um pouco ancrónico, 'desuet' mesmo. Ou será que não?